sábado, 17 de agosto de 2013

Entrevista com o type designer Peter Bil'ak

Entrevista que fiz com o designer de tipos Peter Bil'ak para o blog Faz Caber, em fevereiro de 2013.

Se algum dia você pensou em transmitir uma mensagem escrita de forma clara certamente se preocupou com o desenho da letra que usaria. Mais do que apelo estético um belo tipo pode estimular sensações e influenciar a forma como nos comunicamos. Por essa razão designers amam tipografia. Não poderia ser diferente. E é para discutir, trocar experiências, aprender e até mesmo celebrar essa paixão que vai acontecer em São Paulo, entre os dias 19 a 25 de março, o Tipocracia. O evento chega a sua décima edição - que recebeu o codinome ]tpc10[ - e vai contar com palestras, workshops e muitas discussões sobre o universo tipográfico -  sua história, tendências e novas tecnologias.



Entre as atrações nacionais e internacionais está Peter Bil’ak, respeitado designer nascido na antiga Tchecoslováquia e que hoje mora na Holanda. Especializado em tipografia e professor da Academia Real de Haia, entre seus projetos está o estúdio Typotheque, a revista Dot Dot Dote a Indian Type Foundry,  focado em tipos indianos. Conhecedor de mercados que começam a se preocupar mais com design como a China e a Índia, esta será a sua primeira vinda ao Brasil. Ele também está lançando este ano uma curiosa revista chamada Works That Work, na qual vai abordar o que ele define ser “criatividade inesperada”. Peter respondeu algumas perguntas para mim sobre tipografia, design, criatividade e até mesmo sobre atual momento do mercado editorial.

No Brasil tipografia ainda é vista como algo de pouca relevância fora do meio design. Mesmo no mercado editorial todos sabem da necessidade de um belo tipo porém poucos realmente se preocupam em dar atenção a esse aspecto. Qual é a importância da Tipografia nesse atual momento e como demonstrar esse seu papel?
Peter Bil'ak: Nos deparamos com tipografia várias vezes ao dia. Não podemos fugir dela. Ela está em tudo ao nosso redor: não só em livros, revistas e jornais, mas também em nossas telas, tablets, telefones celulares, TV, etc.  É como o ar: você não pensa muito sobre isso quando ele está bom, mas quando a qualidade cai ficamos incomodados. Da mesma forma notamos os tipos. Infelizmente, assim como o ar ruim de cidades como Pequim por exemplo, quando expostos a maus exemplos por muito tempo acabamos nos adaptando e eles tornam-se a regra. Por outro lado, quando se vê o céu claro (ou um tipo bem usado) você não troca por nada. Na Holanda, onde eu moro, a maioria dos jornais, dicionários e os principais veículos de informação são muito bem desenhados, algo que cativa o público e torna a vida um pouco mais agradável.

Muito se fala em design thinking e cérebros criativos. Você mesmo está lançando uma revista sobre "criatividade inesperada". Mas justamente neste momento difícil em que se encontra, o mercado editorial sofre uma espécie de crise criativa. Isso se deve a fórmula que se esgotou ou a falta de ousadia para apostar em novas ideias?
Peter Bil'ak: A cena editorial mudou e alguns editores que estavam acostumados ​​com as antigas condições têm mais dificuldades de se adaptar à nova situação. A economia mudou também assim como os padrões de leitura dos leitores. As pessoas têm cada vez menos tempo para se concentrar então editores lutam pela atenção delas com formas bombásticas e espetaculares de apresentar a informação. Com isso esquecemos de que, em sua essência, a leitura é uma experiência muito íntima e nós temos que respeitar o leitor.
Ao iniciar a revista Works That Work é claro que focamos o conteúdo, mas sem se esquecer de olhar para todos os aspectos da publicação, como a colaboração entre quem escreve, quem edita e quem publica. Para isso desenvolvemos uma plataforma de publicação que facilitou essa colaboração e permitiu manter um única fonte de texto que nós podemos publicar tanto no impresso, no online ou em ebooks. Tivemos também que investir em nossa web, que é o ponto de partida para se descobrir o projeto, e  repensar a relação com os nossos leitores. Eles não são apenas indivíduos anônimos. São parceiros da revista. Eles financiaram o projeto antes mesmo que ele existisse e agora aprofundamos esta relação. Assim os leitores se tornam nossos distribuidores - e em troca eles são recompensado por seus esforços. Tentamos procurar a rota mais curta do editor para o leitor, evitando os intermediários.



Por muito tempo o "leitor" era uma figura abstrata nas redações. Uma síntese de anseios que se confundiam com nossas próprias convicções e expectativas. Graças a internet hoje essa entidade tem voz e muitas vezes ela fala alto. Sempre é dito que devemos nos encontrar com esse leitor. Escutá-lo. Se ele está aí e mesmo assim muitas vezes não os estamos escutando, o que está acontecendo? Estamos falando línguas diferentes?
Peter Bil'ak: Trabalhar em equipes grandes, sob pressões comerciais e pouco tempo, pode levar a um pensamento esquizofrênico onde não se sabe se está fazendo o melhor trabalho, mas se convence que é o que o público quer. Nós subestimamos o leitor e esquecemos que todos nós somos leitores.
Felizmente, hoje, é mais fácil do que nunca se conseguir a interação real entre quem produz e quem consome conteúdo. E até mesmo trocar de papéis às vezes. Ao tratar os nossos leitores não apenas como consumidores passivos eles podem até contribuir para a publicação também.

Eventos de design como o Tipocracia e outros que acontecem no Brasil ainda são iniciativas espartanas, muitas vezes conduzidas pelos próprios profissionais interessados no amadurecimento da area. Europa e Estados Unidos já estão a anos-luz na nossa frente nesse aspecto. Chegamos tarde demais ou isso é um sinal de que o Brasil está se tornando um major player no campo do design mundial?
Peter Bil'ak: Eu não estou familiarizado com o Brasil e seu cenário cultural, mas a partir de minhas experiências em outros lugares como a China ou  Índia eu vejo que o design se torna cada vez mais importante e as pessoas percebem que querem ser parte importante do mundo (e não apenas sua parte "mão-de-obra"). Eles procuram encontrar sua própria voz, sua identidade própria e o design ajuda nessa emancipação. Nós esquecemos de que "design" não é somente alguns objetos legais em algum museu , mas praticamente tudo o que é feito por seres humanos. Estive viajando para a Índia nos últimos 6 anos e presenciei um progresso incrível e um aumento de interesse em objetos bem desenhados e processos. Seis anos atrás era difícil de explicar o que eu faço, agora eu me encontro com centenas de jovens designers com espírito empreendedor. Me deparo com discussões sérias sobre o papel dos designers, publicações, palestras, etc.  Eu imagino  que algo semelhante deva estar acontecendo no Brasil e eu estou muito curioso para ver isso pessoalmente.



O que é mais importante no trabalho: conhecimento técnico, espírito empreendedor ou criatividade inesperada?
Peter Bil'ak: Como você pode imaginar todas as três partes são importantes e vitais, principalmente se você trabalhar por conta própria. Mas se alguém quer ser um especialista trabalhando dentro de uma organização pode ser uma boa escolher apenas uma.

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