quinta-feira, 20 de novembro de 2014

O mapa da discórdia

Tenho visto variadas teses que "comprovam" o racha que essa eleição presidencial deixou no Brasil. Algumas extrapolam para o campo delirante do separatismo puro e simples. Geralmente esses argumentos vêm ilustrados com mapas parecidos com esse:



Pois bem, basta um pouco (mas pouco mesmo) de análise cognitiva para perceber que a conclusão que obtemos ao olhar para esse mapa é que ele nos mostra apenas em quais estados cada candidato venceu, através da conquista da maioria dos votos. Apenas isso.
Se quisermos fazer uma análise mais profunda e séria da geografia social dos votos nessas eleições é bem importante estar atento a outros recortes.

Por exemplo: Dilma venceu em 3.527 dos municípios brasileiros, enquanto Aécio derrotou a candidata do PT nos outros 2.043. Existem concentrações de ambos em determinadas regiões, mas o G1 criou uma visualização que, mesmo se valendo da dicotomia azul e vermelho para determinar onde cada um venceu, nos dá um panorama muito mais mesclado do resultado.




O Estadão também nos brindou com um belíssimo trabalho na mesma linha, usando um mapa de gráficos com relevos.



Para uma outra leitura (e mais reveladora) voltemos a divisão por regiões e estados. E de novo à ilusão de que temos uma país dividido entre o norte vermelhinho e o sul azulzinho.

Pois bem, Dilma venceu com 24.569.880 votos no Norte e Nordeste, mas Aécio teve 11.343.994 nessas regiões. Agora, no Sul, Sudeste e Centro-Oeste Aécio venceu com 39.545.418 votos, mas Dilma somou 29.882.106. Esses números garantem que não houve uma única região ou estado brasileiro onde a disputa tenha terminado 100% a 0%.

Para visualizar essa forma menos dicotômica de enxergar as coisas o pesquisador da Unicamp Thomas Conti criou o interessante mapa abaixo, que circulou em peso pelas redes sociais. Perceba que nele não se chega a ter predominância de vermelho ou azul em nenhum estado. O que vemos são tons que variam dentro de um espectro de bordô e lilás.



A infografia cartográfica é uma importante forma de visualizar geograficamente aspectos sociais e culturais, mas não é a mais precisa para esse fim. Pode nos trair e criar ilusões regionais perigosas.

O mapa dicotômico azul e vermelho por estados está errado? De forma alguma. Mas ele serve apenas para um fim: mostrar em quais deles cada um venceu. Agora, tanto os mapas do G1 e do Estadão, como o do Thomas, são formas mais avançadas de exemplos do uso dessa ferramenta para medir essas nuanças, mesmo que não se aprofundem na verdadeira sociologia dos votos.

Dizer que quem está em determinada região é burro por ter eleito esse ou aquele candidato só reforça nossa limitada capacidade de entender o mundo fora de critérios que nos são impostos. Ignorar a complexidade da sociedade em que vivemos e deixar a coisa toda mais maniqueísta parece ser mais fácil e confortável, mas não é racional.

Dessa forma, onde muitos enxergaram divisão, eu só vi democracia.

Nenhum comentário: